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Caetano & Gil no edpcooljazz: cantando eu mando a tristeza embora

Caetano Veloso e Gilberto Gil | © Raquel Lopes

Caetano Veloso e Gilberto Gil | © Raquel Lopes

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Caetano Veloso e Gilberto Gil, os garotos da Tropicália quase 50 anos depois. Não podiam ser maiores os nomes chamados a encerrar a edição de 2015 do edpcooljazz, que recebeu este ano mais de 45 mil pessoas. As lendas da música brasileira cumpriram a missão e fecharam o festival no tom de festa desejado.

Foi numa das noites mais frias que Oeiras teve durante o edpcooljazz, que Caetano Veloso e Gilberto Gil subiram ao palco do Parque dos Poetas/Estádio Municipal de Oeiras. Concerto esgotado, plateia cheia – é assim que o público português recebe os embaixadores do tropicalismo. Foi com os sons da Tropicália que Caetano e Gil arrancaram o alinhamento. “Back in Bahia” fez as honras de abertura.

Hinos como “Coração Vagabundo”, “Sampa” (que desperta as primeiras manifestações de entusiasmo), “Terra”, “Nine Out of Ten” e “Odeio Você” foram conduzindo a primeira parte do espectáculo. Ora Caetano, Ora Gil, foram entoando as letras que a multidão – fria, envergonhada – falhou em acompanhar no começo do concerto.

Seria Gilberto Gil que, já a entrar na terceira parte do alinhamento, quebra o gelo com a interpretação de “Não Tenho Medo da Morte”, que arrepiou mais que o frio. Silenciam-se as cordas, Caetano refugia-se na escuridão discreta do palco (sempre ocupado apenas pelos dois músicos). Gil ensaia o ritmo da música com ligeiros toques na guitarra, uma espécie de tambor que lhe devolve a batida. Ouve-se o primeiro grande aplauso da noite, também o mais sincero. Já não importa o frio nem mesmo o vento que teima em assobiar aos microfones. Aqui estão duas lendas, impressivas, inabaláveis.

Lembramo-nos, de repente, que o espectáculo tem título e que resume a empatia em palco: “Caetano & Gil – Dois Amigos, Um Século de Música”. Na verdade, quase que conseguimos ver os jovens Caetano e Gilberto que apareceram, certa vez, n’Uma Noite em 67. Caetano levou “Alegria, Alegria”. Gilberto entoou “Domingo no Parque” (música hoje escolhida para o encore no edpcooljazz). O primeiro, com olhar muito tímido cantando sobre Brigitte Bardot e Coca-colas. O segundo, de sorriso aberto, acompanhado pel’Os Mutantes, confessando estar consumido pelos nervos.

Sentimo-nos, de repente, esmagados pelo percurso dos dois. Na verdade, é mesmo um século de música que ainda partilham em palco com o mesmo entusiasmo de sempre.

A tour de Caetano Veloso e Gilberto Gil tem esgotado salas por onde tem passado. Ficou também marcada por um polémico apelo de Roger Waters aos músicos brasileiros para que, em solidariedade com a Palestina, cancelassem o concerto em Tel Aviv. Os artistas não acederam nem alimentaram a polémica.

Caetano e Gil não estão dados a grandes discursos, como vemos em Oeiras. São parcos em palavras, deixam que a música fale por si. É o que acontece quando “Expresso 2222” e “Nossa Gente” lançam a festa depois do momento solene de “Não Tenho Medo da Morte”.
Para o final, guardam “Filhos de Gandhi”. Regressam ainda para mais um pouco de festa porque, afinal, como reza “Desde que o Samba é Samba”: “cantando eu mando a tristeza embora”.

João Hasselberg: Um casamento perfeito

© Márcia Lessa

João Hasselberg | © Márcia Lessa

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Perante um CCB rendido, João Hasselberg dá provas de que já conquistou o seu lugar no jazz. Falta que o grande público o conheça. E, nas composições do contrabaixista, há músicas para todos os gostos.

A discografia de João Hasselberg não é tão longa quanto os títulos dos seus álbuns. Whatever It Is You’re Seeking, Won’t Come In The Form You’re Expecting (2013) e Truth Has To Be Given In Riddles (2014) mostraram-nos mais que um contrabaixista, um compositor. Álbuns aclamados, discos que merecem chegar a mais ouvidos. João Hasselberg tem agora o reconhecimento ao vivo. E o Pequeno Auditório do CCB está cheio de público e de expectativas.

Quando sobe ao palco, Hasselberg faz-se acompanhar dos músicos que o ajudaram a dar vida às suas composições em disco. Diogo Duque no trompete e João Firmino na guitarra – hão-de ocupar a frente do palco durante a noite, saindo e regressando sempre que o alinhamento o exigir. Luís Figueiredo é o mestre ao piano e um dos pilares do concerto. Bruno Pedroso, na bateria, é outro pilar. João Hasselberg ocupa-se do contrabaixo e do baixo eléctrico, claro. Joana Espadinha entra em palco e inaugura a noite entoando “Opening”. É a faixa de abertura de Truth Has To Be Given In Riddles e a maneira ideal de entrar no alinhamento.

Seguir-se-á “Perry Smith’s Dreams”, do mesmo álbum. Faixa demorada, que traz o universo literário de Truman Capote para o palco. “The Old Man and the Sea”, logo de seguida, traz-nos Hemingway. São assim as composições de Hasselberg – músicas estruturadas, em que cada instrumento tem direito a uma linha independente, e que bebem inspiração naquilo que rodeia o músico, dos livros às notícias.

Foi precisamente nas páginas dos jornais que Hasselberg encontrou material para “Kenji in Burma”, sobre o fotojornalista japonês morto no Burma, em 2007. Kenji Nagai continuou a fotografar mesmo ferido, com balas no peito, deitado no chão. A composição replica a verdade: Bruno Pedroso é deixado sozinho em palco enquanto repete pancadas secas na sua bateria; no ecrã, vemos o desenho de um guerreiro caído. (Durante todo o espectáculo, os desenhos projectados no ecrã, de Camila Reis, vão guiar-nos pela imagética de Hasselberg, dando pistas sobre a inspiração e tema das faixas que ouvimos.)

“Kenji in Burma” é um dos temas novos que o compositor apresenta esta noite ao CCB. Também nova é “Ela”, a peça feita propositadamente para o filme que Tiago Correia fará estrear em breve e que terá ainda outros temas de Hasselberg.

Segue-se então “Two Brothers in a Treasure Hunt”, um dos temas mais capazes de chegar ao grande público. Aqui, a voz de Joana Espadinha guia-nos pela história que o título faz adivinhar e perdemo-nos dos instrumentos em palco, esquecemos o jazz e as técnicas, viajamos pelos versos. Afinal, nem todas as músicas de João Hasselberg são letradas e esta letra apanha-nos a atenção, desprevenida. Na mesma onda, surge “The Ballad of the Sad Cafe”, que Luísa Sobral escreveu, talvez inspirando-se nos contos de Carson McCullers.

E, por falar em amigos, é o momento de chamar ao palco um dos mais presentes. Ricardo Toscano traz um toque de festa ao espectáculo. Hasselberg escreveu belas linhas para o seu saxofone, como se vê em “En Madrid”. A orquestra está completa e toca a uma só voz. Os sons fundem-se e embalam-nos até aos momentos finais do concerto, que não poderia fechar com “To a God Unknown”. O público conhece a festa e é isso que pede quando, de pé, exige o encore.

Com “In Cold Blood” (Capote, novamente), Toscano volta a juntar-se ao grupo, que Hasselberg lidera sem protagonismos. O nome de capa é o seu, a mestria também – e não restam dúvidas de que é grande, depois desta noite. Mas o grupo de músicos que aqui reúne desempenha o papel crucial de dar corpo e alma às suas composições. O casamento é perfeito.

Carlão festeja os ‘entas no Lux

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“Há bocado fiz umas contas e senti-me mal.
Quando tiveres dezoito eu vou ter quarenta e tal.
Tenho medo de não perceber o teu mundo nessa altura
Mas, acredita, o feeling que sinto não é sol de pouca dura.
Por muito cota e datado que te possa parecer,
Fui e sou mais janado do que gostava de ser
Por isso está à vontade, manda vir que eu aguento,
No mínimo posso estar, se calhar, um pouco lento.”

As palavras são de “Joaninha (Bem Vinda!)”, faixa que os Da Weasel deram ao mundo no seu Re-Definições. O ano era 2004 e Pacman – que na altura se apresentava com este nome, aquele que ficará sempre – escrevia à sobrinha, filha do baixista Jay Jay. (“Yo Jay, tenho saudades dos tempos de garagem”.)

A olhar para o futuro, Pacman previa a pacatez da idade. Talvez não previsse esta noite de 23 de Abril de 2015 em que leva o seu novo álbum a solo ao Lux Frágil. Aqui marca um regresso à música, assinala a entrada nos quarenta dando aliás esse título ao disco e resgata à apatia os fãs de Da Weasel. Que a Doninha continua a ser a obra maior de Pac e estamos só à espera da reunion para a reviver.

Com a idade vieram os filhos e a calma. Vieram os fãs mas também os sapatos de marca, camisa perfeitamente engomada e o ar impecável com que Pac (agora Carlão) sobe ao palco do Lux. (E não conseguimos deixar de pensar no que diria o Pac de língua afiada dos 90s deste Carlão.) A sala está longe de esgotar e o ambiente em nada se compara ao período áureo dos Da Weasel. Desse tempo veio também o mestre dos pratos, DJ Glue. É ele que comanda os beats durante a noite. Pelo caminho ficaram as rastas e a pressa de viver a juventude.

“No mínimo posso estar, se calhar, um pouco lento.”

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Capicua: “A ira da medusa”

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Depois do Porto, Capicua desce a Lisboa para se consagrar como comandante da guerrilha cor-de-rosa na capital. “Medusa”, álbum de remisturas “e uma ou outra coisa nova”, é a estrela do Lux nesta noite de coroação da rapper portuense.

Em palco entram D-One, Virtus e Vítor Ferreira ao som de uma mistura das músicas mais recentes e conhecidas de Capicua. Atrás de mesas e computadores, vão tratar dos beats que se ouvem durante o concerto e das ilustrações criadas à medida e ritmo de cada som. O palco é ladeado por cortinas de medusas luminosas que escorrem do tecto e é por detrás de uma delas que Capicua surge em palco. Acompanha de M7, a sua comitiva, Capicua entra e, curiosamente, a música extingue-se. Poucos momentos depois, percebemos que é intencional.

A rapper cria um momento solene em que debita “a capella” as rimas de “Alfazema”. Começa assim com “Sereia Louca”, o álbum com que roubou a spotlight da música portuguesa em 2014 e que, um ano depois, recupera em formato de remisturas com “Medusa”. A mensagem é de respeito no feminino e prescinde facilmente do beat. «Com tradições nascem contradições opressivas/Como lições pra sermos fracas e reprimidas/Sem auto-estima, postas de lado como um talher/Não foi pra isso que nasci uma mulher». É também ideia omnipresente na narrativa de Capicua, ela que é «comandante da guerrilha cor-de-rosa» (“Maria Capaz”). E comanda o público exigindo braço no ar (até porque “Mão Pesada” é a segunda música que se ouve e combina com o gesto).

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Syd Barrett leva Capitão Fausto para a idade adulta

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São onze em ponto quando os Cave Story sobem ao palco. Gonçalo Formiga (guitarra e voz), Pedro Zina (baixo) e Ricardo Mendes (bateria) vêm das Caldas da Rainha e é assim que se apresentam ao público do Lux, reunido para mais uma Black Balloon. Ainda surpreendidos com a pontualidade, damos conta de uma banda revelação que nos toca sem medos ou nervosismos o (também ele) surpreendente EP “Spider Tracks”.

Do lado de cá, há verdadeiros fãs, algum “headbangin”g e moche a valer. Entre faixas aceleradas – como “Southern Hype” (cinco minutos intensos) e “Hair” (pura deriva rock) – os Cave Story cumprem a sua função de banda de abertura. Aquecem a sala e estendem o tapete para os Capitão Fausto, ainda que se oiça no público um convicto “vocês são melhores”. São, pelo menos para já, fortes candidatos ao lugar de banda promissora que até há pouco tempo era ocupado pelos senhores da noite.

De facto, quando “Gazela” foi lançado, em 2011, adivinhava-se para os Capitão Fausto um futuro brilhante, entretanto confirmado com “Pesar o Sol” (2014). Esta noite, os Capitão Fausto inauguram uma nova etapa ao agarrar Syd Barrett e Pink Floyd com arte, vontade e mestria.

O alinhamento é encabeçado por “Arnold Layne” e não podia ser de outra forma. Este é o primeiro single dos Pink Floyd de Syd Barrett, composto pelo homenageado da noite, que viria a deixar a banda em 1968, não sem antes ter marcado profundamente o seu som psicadélico. O mesmo som psicadélico que reconhecemos aos Capitão Fausto, eles que têm aqui a oportunidade de representar uma das suas influências. O desafio é de grande responsabilidade e está reflectido nas caras tensas de Tomás Wallenstein, Domingos Coimbra, Manuel Palha, Francisco Ferreira e Salvador Seabra. A banda veste-se a rigor (Francisco Ferreira traz mesmo capa intergaláctica) e a ocasião não é para menos.

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